Estudo | Glenio Fonseca Paranaguá - O indulto do anistiado
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O indulto do anistiado
A terra é um planeta marcado pelo estigma do pecado. Tudo aqui evidencia uma certa desordem desse caos essencialmente rebelde. Os espinhos e abrolhos brotam de um solo adubado com o fertilizante cruel da iniqüidade que contaminou toda a natureza. A raça humana é responsável por essa tragédia que transformou o planeta azul à distância, numa plantação espinhosa de cardos e carabinas.
Ninguém vive nessa terra sem ferimentos e contusões. A criação de Deus foi mutilada pelos efeitos do pecado e o gênero humano se tornou um verdadeiro instrumento para lesar corpos e corações. No planeta azul visto das alturas nem tudo é tão azul assim, quando examinado mais de perto, a não ser os hematomas provocados por meio das pauladas e trombadas em nossos desacertos.
Há muita gente magoada com as cotoveladas emocionais e muitos outros que sangram por dentro numa hemorragia de sentimentos mesquinhos. A existência no ringue do pecado nocauteia os competidores com a deformidade das amarguras que exaurem a vida empobrecendo a festa. A tristeza e o mau-humor são tributos muito elevados que as vítimas pagam para subsistir nesse mundo de apelações.
Somos uma espécie melindrosa, que se fere com facilidade por qualquer coisa, mas que dificilmente sente a dor que provoca no próximo. O egoísmo é uma toca muito pequena e tão exclusivista que só consegue perceber a sua própria importância, descartando por completo o sofrimento nos outros, ocasionado pelas suas flechadas atiradas sem dó nem piedade. Todavia, não há saúde emocional para aqueles que se trancafiam nos muros altos da raiva, encastelando-se no rancor que não desculpa.
Se ninguém vive nesse mundo sem ultrajes, ninguém também pode viver com saúde psicológica sem perdão. A vida relacional saudável requer indulgência permanente. O coração não pode ser uma cadeia nem a vontade um carcereiro. Quando alguém magoa um filho de Deus, o habeas-corpus já deve está redigido, promovendo o alvará de soltura. Antes de qualquer providência, Jesus ao ser crucificado perdoou os seus algozes: Contudo, Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Lucas 23:34a.
D. Martyn Lloyd-Jones disse que se realmente conhecemos a Cristo como nosso Salvador, os nossos corações são quebrantados, não podem ser duros, e não podemos negar o perdão. Todo aquele que foi anistiado pela obra do Calvário, certamente foi convertido num promotor de perdão. Se não há clemência em sua vida é porque você nunca experimentou a remissão dos pecados, nem pode se considerar um filho de Deus.
A matemática de um dos discípulos de Jesus parecia muito generosa quando ia além do dobro no cálculo dos rabinos, em questão do perdão. Pedro num arroubo de liberalidade pergunta ao Senhor: sete perdões seriam suficientes para uma mesma falta? Jesus demonstra que esse assunto não é propriamente uma questão de aritmética, apontando para o produto de setenta vezes sete como um número sem estimativa contábil na escrituração da matéria. No cristianismo ou se perdoa ou é perda de tempo continuar.
Algumas pessoas gostam de calcular o que fazem, a fim de valorizar os seus esforços, e com isso, chamar a atenção para os seus méritos. Mas na questão do perdão esse empenho é desnecessário. Perdoar é um dom da graça de Deus para os seus filhos, do mesmo modo que a mesada é uma doação que os pais fazem às suas crianças. Ninguém perdoa por a sua própria iniciativa, mas equipado pela graça, perdoa realmente. Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou. Efésios 4:32.
Todas as pessoas que foram perdoadas por Deus em Cristo estão capacitadas a perdoar aos seus agressores. Não há ninguém perfeito nesse mundo, por isso, como disse Alexandre Pope, "errar é humano – perdoar é divino". A Bíblia mostra que Deus se deleita no perdão, logo a distração dos seus filhos deve ser a satisfação de perdoar. Quem, ó Deus, é semelhante a ti, que perdoas a iniqüidade e te esqueces da transgressão do restante da tua herança? O SENHOR não retém a sua ira para sempre, porque tem prazer na misericórdia. Miquéias 7:18.
Aquele que não perdoa não sabe nada do que é misericórdia e não tem a mínima idéia do caráter divino. Há um provérbio que diz: "Se Deus não estivesse disposto a perdoar os pecados, os céus estariam vazios". Deus derrama a sua ira com reserva, mas a sua misericórdia sem medida. Como bem afirmava Oswald Chambers: "é um completo absurdo dizer que Deus nos perdoa porque ele é amor. A única base pela qual Deus nos pode perdoar é a cruz", onde o excesso do seu amor se revela juntamente com a grandeza da sua justa misericórdia.
O cristão precisa sempre se lembrar que as misericórdias de Deus são infinitamente maiores do que as suas mais profundas misérias, logo quem foi alcançado pelo Deus das misericórdias nunca vai exibir uma conduta destituída de compreensão. Todo aquele que já foi perdoado sabe que sua única alternativa nesse mundo é perdoar aqueles que lhe tem magoado. A vingança é o perfil de um escravo do ódio, mas o perdão é a marca registrada dos filhos de Deus.
Perdoe e esqueça. Mas não se esqueça que esse esquecimento não significa amnésia ou uma desmemória dos fatos. A deslembrança aqui não é demência ou caduquice. É antes de tudo pura falta de apreço para com os detalhes que tentam ressaltar a reputação de quem perdoa. Esquecer significa não levar em conta o tamanho da decepção em razão da magnitude da misericórdia que torna irrelevante as afrontas de quem molesta. O perdão é o atributo do coração amoroso que esquecendo a injúria emancipa o ofensor, convertendo-o em amigo. Ele é mais do que a dispensa do castigo, já que pretende assumir o prejuízo para restabelecer a comunhão interrompida. Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós. Colossenses 3:13.
Stanley Jones dizia que a virtude central do cristianismo é o poder do perdão. É impossível fazer uma amizade duradoura sem o exercício continuo do indulto. É impraticável andar com alguém que não quer perdoar. Para isso, S. Francisco de Assis deu a receita: Que eu leve o perdão, esquecendo as desatenções e as ofensas e injustiças de que me julgo vítima. A pessoa que sabe que é susceptível à queda estará mais pronta a perdoar as ofensas de seus semelhantes. E aquela também que tem a consciência clara de que foi perdoada dos seus muitos pecados tem mais condições de amar os que fracassam, pois quem mais ama, mais disposição tem em perdoar. Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama. Lucas 7:47. E quem pouco ama, pouco perdoa.
Creio piamente que todos aqueles que foram anistiados pela graça de Deus em Cristo são de fato dispenseiros de um indulto superior patrocinado pela cruz de Cristo. Se você não tem apetite em perdoar é porque você padece de uma violenta anorexia do perdão celestial. É absolutamente inviável pensar num cristão resistente a perdoar. É mais fácil admitir um crocodilo vestido de fraque tocando oboé numa orquestra, do que um cristão legítimo obstinado sem querer perdoar. Ainda que o perdão não seja fácil para o cristão, ele é glorioso para o Cristo que vive nele. Sola Dei Gloria!