Estudo | Glenio Fonseca Paranaguá - Na Corte da Cortesia
Na Corte da Cortesia
"Quando a rainha Vitória veraneava no Castelo de Balmoral, costumava fazer longas caminhadas pelas propriedades rurais das cercanias, inteiramente incógnita. Em uma destas escapadas, vestindo-se com trajes campestres, fez-se acompanhar à distância por um fiel criado.
Ao longo de uma sinuosa estrada, encontrou-se com um rebanho de ovelhas, que vinha sendo tangido por um jovem camponês, o qual, preocupado com uma possível debandada dos animais, gritou colérico: - Saia da estrada, velha estúpida!
A rainha sorriu, procurou ocultar-se em uma das margens da estrada, mas nada disse. Quando o seu servo chegou perto do irritado pastor, informou-lhe que aquela senhora era a rainha da Inglaterra!
Ué! - replicou o constrangido moço - e por que ela não se veste como rainha?"
Este episódio demarca a formalidade: como as pessoas normalmente encaram as pessoas! Precisamos identificar quem são aqueles que merecem o nosso tratamento mais atencioso. Na hierarquia dos valores humanos, há pessoas que se distinguem, e conseqüentemente, exigem uma acolhida diferenciada. Se a rainha estivesse aparamentada de rainha, com toda segurança, o jovem pastor teria demonstrado o seu respeito e consideração. Não resta dúvida que ele seria polido com Sua Majestade e daria prova de seu maior respeito. No entanto, sua civilidade era apenas uma praxe decorrente de uma etiqueta rigorosa, delimitada pela aparência, e nada mais.
As regras dos cerimoniais impõem comportamentos e reclamam posturas adequadas diante daqueles que exibem ou aparentam importância. Somos constrangidos pelos papéis desempenhados no formalismo da exterioridade. A capa pode ser o disfarce que ostenta a exigência de uma conduta fingida, sem qualquer sentido de cortesia. Muitas vezes o orgulhoso, trajando um vestuário fino, intimida o espírito simples, requerendo sua reverência. Porém, a vida cristã genuína assume a característica de verdadeira autenticidade. O amor seja sem hipocrisia. Detestai o mal, apegando-vos ao bem. Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros. Romanos 12:9-10. Não há pretextos ou formalidades no âmago da experiência cristã. Prefiro arriscar-me nos perigos de um tufão de empolgação religiosa a experimentar o ar parado do formalismo excessivo. Prefiro a autenticidade robusta do amor, ao comprometimento covarde em razão das aparências. Prefiro o grito desesperado do jovem pastor diante da mulher que estorvava a passagem do seu rebanho, do que a urbanidade fingida em conseqüência da indumentária da rainha, constituindo-se numa mordaça da verdade. Esta diplomacia circunstancial é um ridículo chaleirismo.
Contudo, a verdadeira cortesia tem postura e procedimento. Não podemos compactuar com esta mentalidade fingida das aparências, nem com a rudeza estúpida dos destemperados. Há um provérbio francês que ensina: Falar bondosamente não machuca a língua. A gentileza não requer distinção pessoal. Não era só a rainha que deveria ser tratada com delicadeza, mas a mulher estranha, que passeava naquela estrada. E ao servo do Senhor não convém contender, mas sim ser brando para com todos, apto para ensinar, paciente. 2Timoteo 2:24. A suavidade de Cristo é o ornamento gracioso que o crente deve usar. Não é preciso ser hipócrita, para se ser distinto. A nobreza do evangelho marca a elegância das atitudes. Ser brando no trato, é um retrato do caráter cristão. A sabedoria do céu é... tratável.
Tenho visto algumas pessoas que esboçam formas grosseiras em nome do verdadeiro, legítimo e positivo. Brutalidade nada tem haver com identidade, mas com falta de princípios ou educação. Podemos ser verdadeiros, e amáveis. Legítimos, mas amenos. Positivos, e ainda assim, graciosos. Que a ninguém infamem, nem sejam contenciosos, mas cordatos, mos-trando toda mansidão para todos os homens. Tito 3:2. Alguém já disse que a cortesia é uma moeda que circula, independente de câmbio, em qualquer nação. Podemos discordar com fidalguia, sem nos tornar desagradáveis.
Nada custa tão pouco e tem tão sublime alcance como a cortesia, afirmava Eleanor L. Doan. A delicadeza abre portas de ferro e conquista a atenção de estátuas de pedra. Fomos redimidos não somente para sermos legalmente salvos, mas também para sermos moralmente sadios e cordialmente gentis. Podemos realizar muito mais em prol do evangelho, sendo caridosos e polidos, do que qualquer outra forma de atuação. Por isso mesmo vós, empregando toda diligência, acrescentai à vossa fé a bondade, e à bondade o conhecimento, e ao conhecimento o domínio próprio, e ao domínio próprio a perseverança, e à perseverança a piedade, e à piedade a fraternidade, e à fraternidade o amor. 2Pedro 1:5-7. Fé sem bondade é fraude. Bondade sem conhecimento é legítima ostentação. Conhecimento sem domínio próprio acaba em intolerância. Domínio próprio sem perseverança só revela exibicionismo. Perseverança sem paciência é pura arrogância. Paciência sem fraternidade é obstinação. Fraternidade sem amor é a invenção da falsidade. Amor sem cortesia é a impostura da vaidade egoísta, menos-prezando o próximo. O amor nunca se regozija com a ruína da reputação, ou a descoberta dos pecados, erros ou hipocrisias de outrem, por mais indigno que alguém se apresente, o amor delicado sempre se porta com consideração e age com respeito.
A regra dos quatro esses pode caracterizar muito bem o contexto da verdadeira cortesia. Sinceridade, Simplicidade, Simpatia e Serenidade. Quando estas quatro palavras fazem parte simultaneamente da linha de conduta, temos traçado a reta da delicadeza amorosa, que distingue qualquer linguagem. A sinceridade e a verdade são as bases de todas as virtudes. Alguém já disse: Prefiro os que dizem não, com sinceridade, aos que dizem sim, vacilantes. Por outro lado, a sinceridade precisa ser acompanhada da simplicidade. A sobriedade é o tapete que a honra pisa. Que nossa sinceridade jamais desprestigie a singularidade da singeleza de coração, pois a simplicidade sempre mantém as pessoas simpáticas. A simpatia consiste num parentesco dos sentimentos, enquanto a antipatia se define como o divórcio das vontades. Embora a beleza seja o privilégio de alguns, a simpatia pode ser um ensejo para que todos progridam nesta estima, desde que marcados de serenidade. H. Spencer dizia que: O sinal mais autêntico do poder não aparece, propriamente, no tom exaltado de voz, mas na serenidade. As relações ficam sempre mais estreitas quando agimos com serenidade. O mundo se torna mais agradável quando o nosso procedimento revela tranqüilidade. Jesus nos assegura: Vós sois o sal da terra. Mas se o sal se tornar insípido, com que se há de salgar? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e pisado pelos homens. Mateus 5:13.