Estudo | Glenio Fonseca Paranaguá - A SOLITUDE E A FOME DA ALMA
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A SOLITUDE E A FOME DA ALMA
A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e me verei perante a face de Deus? Salmos 42:2.
Todos nós, amadurecidos, temos fome de alimento sólido todos os dias. Fome biológica. Nosso organismo carente, a seu modo, fala, pede, grita por socorro energético. A falência celular ou apenas o estômago vazio apela sempre pelo suprimento que satisfaça a desnutrição momentânea – o que nos mantém ativos em busca de mais alimento.
A fome é este estado biológico que demanda a nutrição adequada paraque se mantenha vivo o organismo. Sem fome, normalmente, não se busca o alimento. A anorexia restringe a ida à mesa e a falta de alimento extenua e mata. Precisamos comer para viver.
O nosso apetite biológico, porém, apresenta seleção. Se a fome é intensa, come-se qualquer coisa que possa nutrir. Se não, procura-se o que for mais adequado e apetecível. A evolução do processo civilizatório aprimora o paladar e desenvolve os sabores.
Todavia, o apetite emocional das pessoas não tem esta mesma lógica. Quando constatamos a fome de aceitação, acabamos traçando tudo o que parece apetecível ao ego faminto, para, de alguma maneira, tentar satisfazê-lo. A alma faminta come farelos.
O que vemos por aí são estados de uma raça insaciavelmente faminta, sempre gemendo por carência de amor e angustiada como indigente, comendo lixo moral.
A alma sofre demais com o isolamento. A solidão é insuportável. Fomos criados para uma vida relacional de afeto, preferivelmente, com os toques que simbolizem amor. Permanecer numa ilha sozinho é inadmissível. Pior ainda, parece ser o convívio com o próprio anonimato, em meio a uma multidão de solitários.
Esse mundo sem alguma prosa de valor, aqui e ali, é um deserto barulhento; por outro lado, não ser ninguém, no terreiro da senzala, é um horror. Como podemos viver no ostracismo, isto é, viver como exilados de aceitação ou de significado?
Deixe-me perguntar: onde você tem buscado nutrição para a sua alma? Só não me venha com conversa fiada. O que tem matado a sua fome de ser aceito(a)? Onde você tem construído a sua real identidade pessoal? Em si mesmo, nos outros ou no amor incondicional de Abba? Aqui estão os três vetores que podem definir essa busca.
A era glacial do amor, prevista por Jesus, já chegou. As amizades verdadeiras são raras neste planeta, que só se aquece pela fome das vantagens. Vemos multidões sendo agitadas de um lado para o outro à cata de algum farelo que mitigue a sua fome de amor.
Há algum tempo, estive com uma vítima do bilhete premiado. Ela estava de fato abatidíssima. É sempre a mesma e surrada tática, mas a ganância cega a vítima, que vê no lucro a esperteza. De algum modo, é mais uma alma faminta de aceitação.
Desde que, em solitude, fui impulsionado a considerar-me aceito por Aquele que me quer, sem motivo aparente, ainda que eu jamais O tenha querido voluntariamente; desde que me foi revelado que o amor de Abba não é uma troca barata de favores e que sua vigência não tem tempo de validade; minha alma passou por um estágio de nutrição sem precedentes. Ela tem fome daquilo que a satisfaz e a alimenta.
Agora que já estou começando a comer essa papinhade bebê para a alma (mas sem este papo furado da reciprocidade bancária, segundo a qual precisamos corresponder à vantagem obtida – nesse caso, a esmola da graça), fiquei muito feliz com a descoberta de Gerald Coates quando disse: “Deus não esta´ decepcionado com você, porque Ele nunca teve ilusões a seu respeito”. Que maravilha de cardápio… Deus me ama e isso basta.
A alma precisa ser satisfeita com o amor ágape. Este amor nunca desiste. Ele se preocupa mais com os outros que consigo mesmo. O amor não quer o que não tem. O amor não é esnobe, não tem a mente soberba, não se impõe sobre os outros, não age na base do “eu primeiro”, não perde as estribeiras, não contabiliza os pecados dos outros, não festeja quando os outros rastejam. Tem prazer no desabrochar da verdade, tolera qualquer coisa, confia sempre em Deus, sempre procura o melhor, nunca olha para trás, mas prossegue até o fim. 1ª. Coríntios 13:5-7. A Mensagem.
Permanecer quieto no colo amoroso do Pai é uma façanha fora de série. Isso só acontece quando o filho, aceito pela graça plena, pára de se debater no vazio da fome da alma. Nada pode ser mais significativo do que você nutrir a sua personalidade com este amor destituído de exigências, correspondências ou reciprocidades virtuosas.
Vejam aí o brado de David Seamands: “…a virtude não produz a relação com Deus. É a relação com Ele que gera a verdadeira virtude”. Sente-se à mesa do banquete e celebre com Abba a festa da sua adoção eterna. Pare de exigir a sua perfeição. Aquiete-se e tome posse do amor de Abba. Ele o(a) ama sempre. O seu amor é eterno e não se esgota.
Michael Phelps, nadador norte americano, conquistou 37 recordes mundiais e o maior número de medalhas de ouro olímpicas numa única edição. O que ele fazia todo dia? Nada. Nada? Sim, Phelps nadava 8 horas por dia, mas a natação é um esporte solitário. Ele nadou muito e conquistou muitos prêmios e recordes, mesmo assim, teve depressão.
Muita gente sente solidão em meio aos maiores sucessos e aplausos de sua vida, pois a solidão é simplesmente a companhia do sujeito consigo mesmo. É difícil conviver sem alguma reserva emocional. A nossa alma tem medo de se expor e não ser aceita, então se esconde até dos seus amigos mais íntimos. Uma vida idealizada, que projeta ser o que não é, e o medo da rejeição fazem a alma se ocultar no porão da existência.
Lembro-me de uma amiga, que parecia centrada e adequada, fazendo parte de um grupo seleto de amigas hiper legais, mas, cometeu suicídio. No velório, ninguém conseguia ter a mínima noção do acontecido. Como isso pôde passar despercebido?
A alma consegue camuflar os seus reais sentimentos e fingir que está alegre por instantes, contudo há um vulcão interior que jorra suas lavas de angústia. Como poderei conviver comigo se eu mesmo não me aceito? Perguntou-me um suicida frustrado. A alma tem fome de aceitação incondicional. A minha alma carece do amor furioso de Deus.
O salmista entendeu o drama existencial: somente em Deus, ó minha alma, espera silenciosa; dele vem a minha salvação. Salmos 62:1. Da solidão à solitude em busca da verdadeira identidade pessoal. Sozinho comigo, eu me desespero, mas a sós com Deus, a minha alma descansa por ter encontrado o amor sem fronteiras.
A Trindade é a rocha sólida debaixo dos meus pés, é um espaço para a minha alma respirar, é castelo invencível: não há como eu ser derrotado. Se Abba for de fato o nosso refúgio, não seremos dependentes da companhia das pessoas para amenizar a nossa solidão, pois em solitude temos plena comunhão de Emanuel.
A minha alma, contudo, aspira mais do que Deus conosco. Ela aspira a Ele. A fome é íntima. A alma tem fome de Deus nela. Eu O quero internalizado para não correr o risco do Éden, quando Adão perdeu a comunhão com o Criador. Lá, Deus estava fora, agora Ele faz em mim Sua morada. Jesus disse: Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada. João 14:23.
Não precisamos de uma chupeta dos elogios e não precisamos temer a crítica. Temos leite que nos mata a fome todos os dias. Deus nos ama e isso é suficiente, basta que acalme e aquiete a sua alma, como criança amamentada no colo da mãe. Sim, minha alma dentro de mimé como essa criança amamentada. Salmo 131:2.
Na solitude com o Altíssimo está a vitória sobre a solidão. Cristo não nos salvou apenas do pecado, mas, também, da solidão, para que nós vivêssemos em comunhão com Ele em solitude. Ainda que sozinhos, mas em Sua companhia, não estamos sós. A presença de Deus se nutre na intimidade e no silêncio da alma.
Para G. B. Duncan, “Deus ainda se manifesta em ocasiões nas quais encontra alguém suficientemente quieto para ouvir e, solitário o bastante para prestar atenção.” Pare de movimentar-se por aí para ouvir a voz do Senhor, aquiete-se e Ele falará no seu interior. Cale-se toda carne diante do SENHOR, porque ele se levantou da sua santa morada.Zacarias 2:13. Se você quiser ouvir a voz do Pai, aquiete-se no seu íntimo e deixe o Espírito falar com você. Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra. Salmos 46:10. Pare e ouça.