Estudo | Glenio Fonseca Paranaguá - A SALVAÇÃO DA ALMA - 11
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A SALVAÇÃO DA ALMA - 11
Compadece-te de mim SENHOR, pois me sinto atribulado; de tristeza os meus olhos se consomem, e a minha alma e o meu corpo. Salmo 31:9.
Se não for uma força de expressão, o salmista aqui se expressa nas três esferas: espírito, alma e corpo. Este é um salmo de Davi, mas a oração é do Messias. Talvez Davi tenha composto este poema quando estava sendo perseguido pelo rei Saul, mas o Espírito Santo revela aqui o sofrimento do Cordeiro de Deus, quando estivesse sendo imolado.
No verso 5 vemos uma profecia do Jesus histórico rendendo o seu espírito: Nas tuas mãos, entrego o meu espírito; tu me remiste, SENHOR, Deus da verdade.Salmos 31:5, mas no verso 9 - sua alma e corpo estão atribulados, sendo consumidos em lágrimas. Neste salmo percebemos a tricotomia na composição do ser humano.
Corpo, espírito e alma é a ordem do modelo da criação, no Éden. Em razão do pecado, a raça adâmica se tornou dicotômica por causa da desconexão do espírito. Alma e corpo passaram a governar o homem natural. Então, o Espírito vem e vivifica o espírito do Seu povo e o ser humano regenerado torna-se num modelo inverso: espírito, alma e corpo.
Esta ordem inversa é uma nova perspectiva da ordem humana transformada por meio da obra de Cristo crucificado. Há um novo homem com o espírito vivo governando.
Adão e Eva, antes de pecar, tinham comunhão com Deus através do seu espírito, mas, depois do pecado, com o espírito morto, a alma tomou conta do processo e Deus ficou de fora das suas cogitações, uma vez que, sendo Ele espírito só se relaciona espiritualmente com o ser humano no espírito. Sem a vida espiritual não há intimidade com Deus.
O ser humano pós-pecado não tem relacionamento com Deus. Ele não tem vida espiritual que o ligue espiritualmente ao Espírito de Deus. Há vida biológica e psicológica em qualquer pessoa que nasce neste mundo, mas nenhum sinal de vida espiritual.
Vamos tentar ilustrar. Um ovo de galinha é composto de três partes: casca, clara e gema. Há galinhas poedeiras que são criadas somente para pôr ovos. Elas não convivem com o galo e seus ovos não tem o esperma gerador de vida. Por outro lado, há galinhas que são criadas para gerar pintinhos e os seus ovos têm o esperma do macho.
Os ovos de uma galinha de granja e os ovos da galinha que tem o galo cruzando-as são iguais, no que diz respeito à sua composição e nutrição, porém, um não gera pintos, o outro, sim. Os dois têm casca, clara e gema, mas só um tem a semente da vida.
O ovo da galinha de granja ilustra o ser humano desconectado de Deus. Sem a vida de Cristo o espírito está morto. Não há vida espiritual no homem natural. A sua alma caída é quem dá as cartas da aparente espiritualidade, por isso, é preciso que o ser humano seja regenerado, pelo Espírito de Deus, para que possa ter a vida espiritual.
Os dois tipos de ovos, aparentemente, são idênticos, mas um tem vida e o outro, não. Assim, não podemos julgar as pessoas pela aparência, senão pela vida de Cristo nelas. Ter uma vida moral inatacável não significa ter a vida de Cristo, mas ter a vida de Cristo, com certeza, significa ter uma vida moral, justificada e santa, em processo de santificação.
O ovo galado faz gerar um pintinho; o crente regenerado faz crescer o caráter de Cristo. O apóstolo Paulo afirma assim aos vivificados pelo Pai: meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós. Gálatas 4:19.
Uma vez regenerado, começa o processo da santificação ou da salvação da alma, também visto como a formação do caráter de Cristo. A vida de Cristo no homem interior se expande, por meio do Espírito Santo, do nosso espírito vivificado, para a nossa alma. Aqui, duas coisas são imprescindíveis: o agir do Espírito Santo e o reagir obediente do crente.
A salvação da alma, conhecida ainda como a mortificação da natureza terrena, é processada de dentro para fora, levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo.2 Coríntios 4:10. Vem de dentro, da habitação do Espírito, e se concretiza na experiência vivencial do salvo.
Este processo é como o esperma na gema. A formação do pintinho só acontece quando a galinha faz seu ninho, cobrindo seus ovos com suas asas. Semelhantemente, a formação de Cristo em nossa alma só acontecerá pela cobertura do Espírito Santo, bem como, pelos meios da graça, através da igreja, que nos levam a obedecer o agir divino.
Os meios da graça podem ser vistos assim: perseverança na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Atos 2:42. A instrução na Palavra, a koinonia da igreja, a ceia do Senhor e as orações na vida comunitária.
Fomos regenerados pelo Espírito de modo unilateral. Ele gerou vida espiritual em nosso espírito soberanamente, salvando-nos da condenação do pecado, todavia, Ele vai mais, operando em nós o querer e o efetuar, para que desenvolvamos a salvação da nossa alma, do poder do pecado. Esta obra é processual e progressiva, na comunhão da igreja.
Quando cremos em Cristo, como Salvador, viemos a Ele com uma alma cheia de lixo, traumas, feridas, culpa, vergonha e uma cultura pervertida. Muitos de nós tivemos um histórico de abusos sociais, sexuais e seviciais vários que marcaram nossas mentes.
“A soluc¸a~o de Deus para ferimentos profundos e´ traze^-los para a luz. Precisamos abrir nossas vidas a Jesus e deixa´-Lo ver o que nos aconteceu. Precisamos deixa´-Lo tocar e curar nossos ferimentos mais profundos. Mais uma vez, a fe´ e´ requerida. Precisamos saber e confiar que Deus nos ama completamente e sem reservas. Precisamos crer que Ele nos tratara´, com a mais terna bondade. Precisamos ter fe´ que, porque Ele nos fez, sabe como curar nossas feridas e que o fara´ com o mi´nimo de sofrimento,” diz David W. Dyer.
Quando o salmista disse, no texto que encabeça este estudo, compadece-te de mim, e, foca em sua alma atribulada de tristezas, estava suplicando pela salvação dela e do seu histórico de feridas e contusões, que a mantinha dolorida e solitária.
Uma vez que recebemos a Cristo como nosso Salvador, já somos novas criaturas, e, neste caso, temos a vida eterna. Se temos a vida eterna, não há mais perigo de perdê-la, pois a vida é eterna e é uma dádiva divina irrevogável. Deus não dá agora e toma depois. A questão é a inadequação de nossa mente (alma) com as lembranças de nossa história.
Todos os que creem em Cristo foram perdoados dos seus pecados, porém muitos ainda precisam perdoar aqueles que lhes ofenderam. Volto a citar Dyer, quando diz: “Em alguns casos, indivi´duos feridos emocionalmente sepultaram ta~o profundamente sua ferida que mesmo suas pro´prias mentes “esqueceram” o que aconteceu. Eles reprimem os sentimentos ta~o severamente – tornando-se um aleijado emocional, no processo – que encobrem completamente o que aconteceu. Isto pode ser especialmente verdadeiro em casos de estupro ou abuso sexual de criancinhas.” E aqui, a igreja tem que ser um hospital.
A alma ferida pode até desconfiar da salvação de Deus em seu espírito. Este grito do poeta insinua o gemido da alma hesitante. Até quando, Senhor, ficarás olhando? Livra-me a alma das violências desses leões ferinos...Salmos 35:17. Os golpes e lanhos de unhas afiadas deixam cicatrizes doloridas que só o Médico ferido pode aliviar.
Muitos cristãos levam anos chorando as dores cruéis de seus estigmas. William Cowper, poeta inglês do séc 18, um dos melhores hinólogos da igreja, sofreu a vida toda com um forte esgotamento em face dos abusos em sua infância. Ele penou com depressão.
O pai, um advogado influente que ficou viúvo, pediu a William, com 8 anos, que defendesse a tese do suicídio, pois ele queria que o filho morresse para se casar com uma jovem, sem o menino. Aos 11 anos ele foi abusado no colégio por alguém do sapato grande, foi tudo o que conseguia se lembrar. Daí para frente, sempre nos aniversários com final 1, isto é 21, 31... até 61 - ele tentou suicídio. Morreu de morte natural em 1800, aos 69 anos.
Nestes intervalos Cowper escreveu vários hinos maravilhosos. Um deles diz: “Achei a fonte carmesim, que meu Jesus abriu. Na cruz morrendo ali por mim, minha alma redimiu.Eu creio, sim, eu creio, sim, Jesus por mim morreu; e sobre a cruz, pra me salvar, castigo padeceu.” Temos aqui uma alma ferida, violentamente, sendo salva, lentamente.
Faz parte do impostor, o falso eu, viver nos bastidores com medo de dizer quem é e ser rejeitado, mas o Cristo do Calvário já realizou uma obra de aceitação tão perfeita, que precisamos torná-la clara, para que desapareça esse impostor enganoso e cruel.
Tu éso manancial da vida; na tua luz, vemos a luz.Salmos 36:9. Deus não só perdoa e esquece nossos atos vergonhosos, mas ainda transforma as trevas em luz.