Estudo | Glenio Fonseca Paranaguá - ECCLESIA REFORMATA, SEMPER REFORMANDA…
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ECCLESIA REFORMATA, SEMPER REFORMANDA…
Estamos no mês que se comemora os 500 anos da Reforma Protestante. No dia 31/10/1517, Martinho Lutero tomou a iniciativa de pregar 95 teses na porta da igreja do Castelo de Wittenberg, na Alemanha, com a finalidade de levar o seu povo à reflexão sobre o estado da igreja, em seu tempo. Lutero não pensava numa dissidência da igreja Católica, mas numa revisão do seu papel como igreja de Jesus Cristo no mundo.
A igreja havia se transformado numa organização meramente política e perdera a sua essência de corpo de Cristo no mundo, tornando-se mundana. “Antes da reforma, a igreja havia se tornado totalmente corrupta, vendia indulgências, cobrava altos impostos e disputava o poder com o estado romano. Luxo e riquezas se contradiziam com a fé cristã. A autoridade papal havia se auto-outorgada acima da autoridade da Bíblia. Motivos estes que fizeram com que João Wycliff, João Huss, Jerônimo Savanarola, Erasmo de Roterdã e Lutero, se levantassem para combater toda esta gama de incoerências”.
A Reforma não começou com Lutero, nem com estes que citamos aqui. Muitos séculos antes, já havia um forte descontentamento com o estilo mundano que tomara conta da vida eclesiástica. E, por várias tentativas e muitas lutas, uma multidão incontável de mártires pavimentou, com sangue, a via que levou a esta mudança de mentalidade.
O que caracterizou esta mentalidade reformista foram os cinco pontos que, mais tarde, se cristalizaram como os “solas” da teologia reformada. Sola em latim significa só, apenas, tão somente, nada mais. Vejamos estas bases que serviram para alicerçar o caminho da Reforma e que permanecem como fundamentos em qualquer tempo.
O primeira ponto é o SolaEscriptura ou apenas as Escrituras. A igreja na idade média havia substituído a revelação da Palavra pela tradição doutrinal e, tanto a tradição oral como a escrita tinham o mesmo valor para a igreja à época. Além do que, os dogmas papais passaram a ter a primazia sobre a revelação do Espírito, na experiência dos fiéis.
Foi neste contexto de pluralismo docente que os reformadores se levantaram para dizer que a Palavra e, tão somente a Palavra das Escrituras Sagradas, (que àquela época, na maioria das versões, era de 66 livros canônicos, 39 do VT e 27 do NT), deveria fundamentar toda a proclamação do Evangelho da sublime graça de Deus.
O apóstolo Paulo já havia dito com referência ao VT: Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança. Romanos 15:4. Só a Escritura.
Porém, não somente o VT, mas também o NT que foi produzido pelo Espírito de Deus, concomitantemente com o desenvolvimento da igreja, era a única fonte de real ensino e proclamação da igreja nascente. Somente a autoridade das Escrituras Sagradas.
O expositor bíblico do séc XVII Matthew Henry diz: “As palavras das Escrituras devem ser consideradas palavras do Espírito Santo,” e, Martinho Lutero acrescenta: “A teologia não é nada mais do que a gramática da língua do Espírito Santo.” Só a Bíblia.
Para os reformadores só as Escrituras têm crédito de infalibilidade, pois, toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. 2 Timóteo 3:16-17.
O segundo Sola é o SoloChristus ou o somente Cristo para a salvação dos pecadores, porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem.1 Timóteo 2:5. Apenas Cristo Jesus como o único sumo-pontífice. Cristo é a única ponte que tem a condição de ligar o Deus Santo à humanidade caída.
O gnosticismo havia colocado uma escada hierárquica entre os seres humanos e Deus, e, a igreja, influenciada por este trapézio gnóstico, pôs uma militância de santos e entes intercessores para intermediar na conexão. Assim, nós encontramos, nos primeiros séculos da fé cristã, as pegadas do humanismo invadindo um terreno exclusivo de Cristo.
No momento da Reforma, Jesus não era visto como exclusivo intermediário entre o pecador e a Divindade. Os reformadores, porém, afirmavam que a nossa salvação é realizada unicamente pela obra mediatória do Cristo histórico. Sua vida sem pecado e sua expiação, por si só, são suficientes para nossa justificação e reconciliação com o Pai.
Não há outro caminho para Deus. Não há outro intercessor. Somente Cristo, e Cristo somente. Por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles. Hebreus 7:25.
Fica claro, pelas Escrituras, que não há outro Salvador para a humanidade. E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos. Atos 4:12.
O SoloChristus é inteiramente inegociável para o pensamento reformado, uma vez que, o próprio Jesus afirmava: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim. João 14:6. Cristo Jesus é o único Mediador, o Intercessor sem igual e o Salvador ímpar, o único capaz de nos conduzir perfeitamente ao Pai.
O terceiro Sola tem a ver com a plena graça de A a Z. SolaGratia quer dizer que tudo para a salvação do morto espiritual é inteiramente imerecido e gratuito. Não há nada que possamos fazer para a nossa vivificação espiritual. É tudo pela graça plena.
A salvação do pecador, seu resgate da condenação eterna, é unicamente pela graça. A obra sobrenatural do Espírito Santo é que nos leva a Cristo, libertando-nos de nossa servidão ao pecado e erguendo-nos da morte espiritual à vida espiritual.
Para o teólogo Charles Hodge, “nada que não seja gratuito é seguro para os pecadores... a não ser que sejamos salvos pela graça, não podemos absolutamente ser salvos.” Se houver 99% de graça e 1% de mérito será 100% sujeito à arrogância humana. É só pela plena graça de Deus que os seres humanos podem crer na graça de Deus.
Por causa do SolaGratia vem o quarto fundamento da Reforma: o SolaFide ou somente pela fé. Um morto espiritual não tem vida espiritual. A fé é um atributo espiritual e só se manifesta em quem foi vivificado espiritualmente. O Espírito Santo dá vida espiritual ao morto em delitos e pecados, por meio da pregação da Palavra e, este, agora vivificado, crê na Palavra e arrepende-se de sua auto confiança. É um milagre da graça plena.
Alguém disse: “a graça não é uma recompensa da fé; esta, sim, é o resultado da graça.” A fé é a visão do espírito que foi vivificado, por isso, ela é ousada em ver além do que se pode enxergar com os olhos físicos. É o milagre da graça vendo o invisível.
Para o pensador, Dr. Robert Horn - “a fé que salva não cria, mas recebe. Ela não opera a nossa salvação, mas apropria-se dela com gratidão.” Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se vanglorie. Efésios 2:8-9.
Finalmente temos o quinto pilar da Reforma Protestante: SoliDeo Gloria, toda glória apenas ao Deus Trino. Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua misericórdia e da tua fidelidade. Salmos 115:1.
A declaração de Cambridge afirma: “onde quer que, na igreja, se tenha perdido a autoridade da Bíblia, onde Cristo tenha sido colocado de lado, o evangelho tenha sido distorcido ou a fé pervertida, sempre foi por uma mesma razão. Os nossos interesses substituíram os de Deus e nós estamos fazendo o trabalho dEle a nosso modo”.
A igreja Reformada precisa estar sempre em reforma, uma vez que, interesses pessoais estão sempre se infiltrando no terreno sagrado da Glória de Deus. Sabemos que Deus não divide a Sua glória com ninguém, mas muitos de nós, disfarçados de humildade tentamos confiscar a glória que pertence apenas à Trindade Santa. Que tragédia!
A declaração de Cambridge ainda insiste: “a perda da centralidade de Deus na vida da igreja de hoje é comum e lamentável. É essa perda que nos permite transformar o culto em entretenimento, a pregação do evangelho em marketing, o crer em técnica, o ser bom em sentir-nos bem, a fidelidade em ser bem-sucedido. Como resultado, Deus, Cristo e a Bíblia vêm significando muito pouco para nós e têm um peso irrelevante sobre nós.”
Ecclesiareformata, semperreformanda… é a matriz de uma constante reforma no seio da igreja. Vamos comemorar a Reforma Protestante, mas vamos participar ainda da Reforma Permanente com os mesmos Solas de sempre. E, SoliDeo Gloria. Amém.