Estudo | Glenio Fonseca Paranaguá - Santificação a fórceps
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Santificação a fórceps
O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. 1 Tes 5:23.
O fórceps é um instrumento cirúrgico, usado numa medicina mais antiga, para extrair o feto da barriga da mãe, quando o parto se encontrava mais complicado. A falta de dilatação vaginal ou outra causa que dificultasse o nascimento do bebê, com freqüência levava os médicos a usar este aparelho, a fim de ajudar na retirada da criança aprisionada no ventre materno.
O termo a fórceps, usado aqui, tem como objetivo explanar essa metodologia do esforço humano, na tentativa de produzir os efeitos da santificação. Muitos acreditam que esta criança não nasce se não for puxada no muque. É preciso força e esforço para a concretização da vida santa.
Precisamos verificar, antes de tudo, o que é a santificação e como ela se processa. Há muita confusão neste terreno e muita gente ingênua acaba se metendo numa tarefa extenuante.
A obra de Deus em nossas vidas apresenta-se de duas formas. Há uma obra monergística, isto é, quando só Deus a realiza. Exemplo: a vivificação. Nós estávamos mortos em nossos delitos e pecados e Deus nos vivificou pela pregação da sua Palavra, de modo unilateral, por meio de Cristo. Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, Efésios 2:1.
Um morto espiritual não pode participar de sua vivificação espiritual. Ele é vivificado por meio da pregação da Palavra. A minha alma está apegada ao pó; vivifica-me segundo a tua palavra. Salmos 119:25. É o Pai quem dá vida espiritual aos seus filhos mediante a vida ressurreta do Seu Filho, Jesus Cristo, inseminada na pregação. A vivificação é operação única de Deus, bem como a justificação, mediante a obra vicária de Cristo no Calvário.
Mas também, há uma obra sinergística, isto é, quando Deus age e o ser humano reage. Por exemplo: a conversão. Aba me converte em seu filho pela sua graça e eu sou convertido, convertendo-me pelo arrependimento e fé dados pelo Ele, mas correspondidos por mim. Há uma ação divina inicial e uma contrapartida humana complementar. A pessoa responde através da graça, o ato da graça operado nela. O morto vivificado reage com a vida que lhe foi outorgada por Cristo.
A santificação é uma destas obras sinérgicas. Devemos, entretanto, iluminar o processo, para que não nos percamos nos meandros do humanismo. A obra de Deus sempre começa pelo próprio Deus. Não é o ser humano quem conquista a Deus. Antes da reação humana tem que haver a ação divina. Santificação não é reação do velho homem.
A natureza adâmica não suporta a santidade de Deus, nem se interessa por ela. Para que alguém possa querer a santificação é preciso, antes de tudo, ter sido feito santo, por meio do Espírito Santo de Deus. Somente uma vontade santa desejará, na prática, a santidade divina. O velho Adão não suporta as manjares santos da mesa celestial. Tentar santificar Adão é dar pérolas a porcos.
Um porco só ambicionará dormir no sofá da sala de visitas, se sua mente fosse convertida na mentalidade de gato, caso contrário, ele irá preferir a lama do chiqueiro. Assim também, a natureza de Adão precisa ser crucificada, com Cristo, para que alguém possa aspirar à santificação.
Primeiro, o Pai precisa nos tornar santos em Cristo, através do Espírito Santo, e depois, nós podermos almejar o crescimento em santidade. A santificação é o desenvolvimento da vida santa de Cristo, em nosso interior. Não há como santificar a natureza adâmica.
Há uma lei biológica de causa e efeito que não pode ser alterada. Segundo esta lei, toda evolução é de acordo com sua espécie. A vida só evolui dentro dos limites de sua natureza. Esta lei é também espiritual. Continue o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se. Apocalipse 22:11.
O injusto e imundo não conseguem evoluir em justiça e santidade. O porco só pode emporcalhar-se cada vez mais, enquanto o gato engatinhar na sua natureza gatesca. Somente os bichanos podem evolucionar na felicidade felina. Não há “felinificação” em suínos.
Deus Pai nos fez santos em Cristo e nos deu uma natureza capaz de querer a santificação em santidade. A vontade pela santificação só é encetada por um start divino, porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. Filipenses 2:13.
Quando o pecador recebeu, pela fé, a vida do Filho de Deus, ele se tornou um filho de Deus, recebendo o querer e o efetuar da sua boa vontade. Agora, de boa vontade, ele vai querer realizar o crescimento em santidade. Isto não será um esforço contra a sua vontade, nem contra a sua natureza ou mesmo um sacrifício que tem um preço enfadonho a pagar. A santificação dos filhos de Aba não é sacrifical. Eles não estão renunciando a nada que não queiram renunciar.
Nenhum filho de Deus paga qualquer preço pela sua santificação. Quem faz aquilo que faz, porque a sua natureza o motiva, não o faz por dever ou obrigação. Ele não está coagido, muito menos descontente. A santificação do santo é um prazer santíssimo em seu modo de vida.
Não existe uma santificação dos filhos de Deus por coerção ou sob comando. A vida de santidade não pode ser forjada em quartel general. O Reino de Deus não é uma tropa uniformizada, marchando sob a ordem de um sargento. Santificação a urros de chefia é absurdo.
Por isso, a santificação do homem velho é um desastre sem medida. Fazer a velha criatura gostar das coisas de cima, da vida santa, é, como dizia o Pr. Antonio Abuchain, o mesmo que fazer um urubu querer comer alpiste. O cardápio do abutre é a carniça, logo, qualquer semente vai se constituir em tortura para o seu estômago podre. Não é possível a santificação dos filhos do diabo.
Santidade para “crente” não regenerado torna-se carga pesada. A turma dos estivadores da fé vive sob o peso da gravidade do universo em desencanto. É gente sofrida carregando carga de jamanta, além de jogar mais peso sobre os ombros dos outros, em busca de uma aceitação halterofilista de Mister-Universo. Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los. Mateus 23:4.
A santificação de Deus é uma questão da natureza divina doada à nova criatura e da vontade humana conquistada pela vontade divina. Não existe peso no processo do crescimento em santidade, na vida dos filhos de Deus. Se alguém se encontra com dificuldades insuportáveis ou se acha sobrecarregado na caminhada cristã, devemos perguntar: será que tal pessoa é nova nascida?
O convite de Jesus foi muito elegante e alinhado à sua natureza, bem como, a sua proposta, distinta. Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Mateus 11:28. Ele não convidou os cansados e saturados do legalismo, pessoas estropiadas, para serem embaraçados ainda mais, com mais cargas, cargos e encargos que, simplesmente, tornariam estes peregrinos numa turma sofrida nesta viagem rumo à Nova Jerusalém. Isto não é do seu feitio.
Não acredito em santificação de ímpio, muito menos de santificação a fórceps. Deus não exige santificação de ninguém. Ele dá vida santa aos seus filhos, que acabam crescendo em santidade através da disposição voluntária de um ser livre e moralmente responsável pelos seus atos.
Antes do desenvolvimento da planta é preciso que ela brote. Para poder brotar é preciso que ela nasça. Antes da semente nascer é necessário que ela morra. A morte do grão predispõe a sua germinação e uma vez abrolhado vem o seu crescimento. A vida, segundo a sua espécie, carrega a natureza e o progresso desta vida em si mesma. A evolução da vida de Adão é segundo a natureza de Adão. A evolução da vida de Cristo é de acordo com a vida ressuscitada de Cristo.
Sabemos que é Deus Pai quem dá a vida espiritual através de Cristo e é ele quem nos santifica com a vida santa do Seu Filho em nós. “Santificação é o crescimento sobrenatural da vida de Cristo, espiritualmente enxertada em nós pelo Espírito Santo e, desenvolvida, de modo natural, através do nutrimento pela Palavra de Deus”. Ninguém se santifica a si mesmo. Qualquer um pode ser santificado pela graça, respondendo, voluntaria e livremente, as expectativas da nova vida.
A obra da santificação é sobrenatural, pois é a própria vida de Cristo sendo formada em nós, mas é também natural, uma vez que é o desenvolvimento correspondente da natureza de Cristo em nossos corações. Não há santificação por esforço humano. Ainda que a nova criatura se aplique, a sua diligência é um efeito da graça e nunca a tenacidade adâmica. Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo. 1 Coríntios 15:10.
Paulo entendeu bem isto. Os que são santos estão sendo santificados pela graça. Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que estão sendo santificados. Atos 20:32.
A salvação de Deus é toda ela pela graça, do começo ao fim. Desde a eleição até a glorificação, tudo é pela graça plena. Tanto a obra monérgica, em que só Deus realiza a ação, como a obra sinérgica, em que os seus filhos correspondem reagindo, tudo é, rigorosamente, pela graça, pois até a reação dos seus filhos é patrocinada também pela mesma graça.
A santificação é, portanto, uma obra sinérgica, em que Deus Pai age e a nova criatura reage com alegria e singeleza de coração, motivada pela graça, fazendo de boa vontade a vontade de seu Pai, sem qualquer peso ou contrariedade de sua vontade pessoal.
Para o filho de Aba não existe qualquer sentido de uma santificação a fórceps, extraída à força ou produzida de má vontade. Desde que Cristo vive em meu espírito, posso dizer como Ele disse no salmo messiânico: agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração, está a tua lei. Salmos 40:8. Aleluia pela santificação sobrenaturalmente natural promovida pelo Pai. Amém.